Spoiler
- Kátia Galvão
- 17 de jul. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 31 de jul. de 2024
É admissível que alguém queira mudar radicalmente de rumo a uma certa altura da vida? Quase como uma mudança de continente, de cultura, de carreira? Uma virada prática e objetiva. Menos de essência, de alma, de valores – que tudo isso já fincou raiz e deu bons frutos aqui em mim.
Assisti ao filme A ÚLTIMA PALAVRA, com Shirley MacLaine como Harriet. Insólita, de repente se dá conta de que, após sua morte, seria pobremente descrita em seu obituário e percebe que sua existência precisa ser passada a limpo. Me vi no papel da protagonista, uma controladora senhora. E no das duas coadjuvantes: uma criança inteligente e uma jovem jornalista. E só identifiquei que eu era um pouco de cada ao vê-las partindo em uma viagem. Nada de spoiler. Depois você vê e tira suas próprias conclusões.

Francamente, não posso me queixar. Fiz boas escolhas que deram certo. Não desejo apagar o que passou. Também não é cansaço, nem desilusão e nenhum arrependimento. É uma nova chance apenas. Um chamado. Uma vontade. Uma experiência. Ideia de gente jovem de espírito.
Meu destino me concedeu uma oportunidade: ser livre e voar. E vou eu me prender de novo? Às convenções, ao seguro, ao politicamente correto? Por outro lado, é complexo acabar com o modus operandi de uma história inteira. Reinvenção exige coragem – quando não se tem certeza para onde se vai. E calma – quando se pode fazer qualquer coisa.
Não tenho uma biografia tão extraordinária assim. Arriscava, quando podia, com passos planejados, acautelados, definidos. Para chegar em qual lugar? Bem nesta parte: numa fase tranquila, com filhos criados, numa relação estável, deixando um legado profissional bacana. Sensação de dever cumprido – que não me parece suficiente para o meu obituário. Quero um novo repertório pra afastar de vez a hipótese de me tornar chata e desinteressante pra mim mesma. (Histórias contadas repetidamente são cansativas e sem graça).
Me especializei em pensar, em estudar, em ensinar. Usei mais o cérebro do que o restante do corpo. Agora quero variar. Quero chegar em casa cansada de me movimentar e ir dormir sem ter a cabeça invadida por pensamentos. Quero pintar quadros. Quero fazer cerâmica ou enrolar doces. Quero o frescor da novidade. Quero a descoberta. Quero a surpresa – e mais diversão – sem o compromisso autoimposto de ser a melhor seja lá o que eu faça.
O final desse meu filme não sei, por isso não tem como eu fazer besteira antecipando para ninguém. Nem poderia – ainda o estou escrevendo! O da Harriet eu digo: foi de carrancuda à alegre, de publicitária a DJ, de solitária à conquista dos amigos. Uma inspiração!
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